sexta-feira, 12 de abril de 2013

Do Amor



Não via a hora de sair de casa. Tudo aquilo era chato demais. Não aguentava mais tanta aporrinhação. Seus pais, seus irmãos, toda a sua família. Era impossível ser feliz ali. Lá, era apenas mais uma menina, integrante (forçada) de uma longa geração de gente implicante. Insuportável. Irritante. 

Olhando dessa forma, devia ser mais uma chata. Não era. Não queria isso para ela. Tinha medo de se tornar um porre insuportável, uma ressaca humana torrencial, devido ao contato constante com as chatices crônicas de cada dia.

Até que um dia, uma noite, mais precisamente, conheceu um cara. Não era “O Cara” da música, era um cara comum. Mas bastante incomum! De início, ele não queria muita coisa. Só conversar. Falava e escutava na medida certa. Poucos excessos. Isso foi ótimo! Estava cansada de conter mãos bobas disputando seu corpo a cada relacionamento, já no primeiro encontro.

Mais alguns dias, mãos e braços, pés e pernas se entrelaçavam. Delicadamente. Bocas e línguas dialogavam poliglotamente, num intercâmbio incessante. E o calor tomou conta dos dois como um sol causticante no deserto; como dois vulcões adormecidos que acabaram de entrar em erupção. E isso continuou sendo ótimo.

Com as semanas, o descontrole foi necessário. Nenhuma roupa seria adequada naquele momento. Era preciso estar nu, para se vestirem de paixão. E partilharam, à flor da pele, todo o sentimento necessário.

Com os meses, inexperientes que eram, aprenderam juntos muita coisa: onde doía, onde fazia cócegas, onde não era legal, onde era ótimo, onde era bom e ruim ao mesmo tempo, onde não tinha explicação... Ondes, aondes, comos, por ques; por issos e aquilos, quandos, pra ques... Eram tantas questões e expressões – e não sabiam todos os porquês – que um medo surgiu, de forma quase infantil. E se tudo acabasse tão rápido como começou? Não seria esse o destino de quem conheceu o primeiro amor? Mas estavam lá, juntos, para o que desse e viesse. Eram companheiros, amigos, cumplices, aliados. Namorados. Atados. Agarrados.

A família, claro, tentou se meter. Como chatos que eram, achavam que o casal não combinava. Que ela era muito alta para ele, que ele era muito pobre pra ela, que ambos eram jovens demais para um relacionamento... Que, que, que, que...

Que... se foda. Eles só queriam um ao outro. Não importava a opinião de ninguém. Aliás, esses “outros” sempre pensam mais nos outros “outros” do que neles próprios. Por isso, foda-se. Foda-se, foda-se... foda-se. E assim (bem) seguiram suas vidas.

Um ano. Dois. Três. E nada se desfez. Quatro, cinco, seis. Continuavam juntos, como a primeira vez. Sete, oito, nove, dez. A paixão não esfriou e algo mais surgiu. Vinte. Devia ser amor. Trinta. Tinha tudo para ser amor, porque não havia outra explicação. Quarenta. E isso perdurou, dia após noite, por mais e mais anos, décadas a fio. Felizes.

Até que ambos, numa última noite, fecharam os olhos. E sonharam juntos, para sempre. De mãos dadas. Sorridentes. Numa bela história de amor. Que muita gente tentou se meter e, provavelmente pelo insucesso, ninguém nos contou.

(Guilherme Ramos, 12/04/2013, 13h23.)

[Mais um conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas".]

Imagem: Google.

2 comentários:

Alvaro Henrique disse...

Bom parece amor né, e faz lágrimas saltarem dos olhas! Porra!

Anônimo disse...

Palavras simples, belo texto !

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