sexta-feira, 2 de maio de 2014

A Chuva e Eu


 Eu me perguntei sobre o que a chuva estava falando. Ela me parecia agitada, nervosa, descontrolada. Chovia há três dias. Sem nenhuma pausa. Um sentimento abstrato me ocorreu no exato momento em que trovejou. Seria aquilo, um aviso de que tudo - entre nós - piorou?
A chuva é assim mesmo: vai e vem sem nenhuma compaixão. Tantos reclamam dela na cidade, outros tantos a desejam no sertão. Mas ela, indiferente, não se compadece. Aparece e desaparece onde e quando quer. Não se preocupa em agradar a gente. Seja criança, idoso, homem ou mulher.
Fazia frio. Muito frio. À cama, cobertores e lençóis brigavam por mim. Travesseiros disputavam minha presença entre eles, numa relação conflituosa sem precedentes. Era - a cama - a arena onde se disputava calor, amor, aconchego, sonhos e outras tantas coisas do dormir. Era - o corpo - desejado pela cama, num desejo que se recusava a sumir.
Apenas eu e ela não estávamos lá. Eu estava. Ela, não. Daí, nenhum calor se produzia. Nenhum amor se perfazia. Nenhum aconchego se trocava. Nenhum sonho se realizava. Nenhum sono vinha. Não havia dormir. Havia insônia. Uma madrugada inteira de despertares. E a chuva, lá fora, não apenas observava.
A chuva tentava se comunicar. Comigo. A janela, entreaberta, recebia sussurros de seus pingos, que insistentemente caiam dentro de meu quarto. Uma ou outra goteira tecia frases que eu não podia compreender. O vento trazia o cheiro de terra molhada que me falava, falava, falava... Mas eu não entendia nada, nada, nada...
Eu me perguntava se o outono tinha algo a ver com isso. Ou se eram apenas recados do inverno que havia em mim. Verão e primavera eram estações tropicais demais para o que estava sentindo. Se eu concordasse com a poesia que havia nelas, eu estaria mentindo. Havia uma quinta estação. E eu a experimentava a cada noite que, naquele quarto, com aquela chuva, eu passava.
Só quem não passava era a chuva. E ela continuaria a chover como chuva porque era de sua natureza precipitar-se sobre a terra. Como os homens caem sobre suas camas. Algumas, com boas companhias; outras, vazias. Assim era a chuva lá fora. Falava comigo e eu não entendia. Talvez por eu saber o que ela queria dizer.
Talvez, só talvez, ao menos uma vez, eu a tenha compreendido. Escutado, respondido. Talvez nosso diálogo tenha sido proferido. Mas, talvez tenha sido melhor nos calarmos. Aceitar o castigo. Chuvas e homens não podem conviver em paz completa. A qualquer momento, um dos dois há de parar de cair. E, nesse momento, deve seguir em frente.
Porque é o certo a fazer.
Porque sempre haverá uma nova estação.

(Guilherme Ramos, 02/05/2014, 2h40.)

Imagem: Google.

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